simbolo Cristo_ Maria Magdalena _ em papel reciclado _ Zoia Petrow
" O futuro está nas mãos daqueles que podem oferecer as gerações vindouras razoes válidas de vida e esperança"
Pierre Teilhard de Chardin
As regras fundamentais da felicidade
Deixemos agora a teoria pura e tratemos de suas aplicações para nossas vidas individuais.
A verdadeira felicidade, acabamos de precisar, é uma felicidade de crescimento, e, como tal, nos espera em um sentido marcado:
- Pela unificação de nós mesmos no centro de cada um de nós;
- Pela união de nosso ser com outros seres, nossos semelhantes;
- Pela subordinação de nossa vida a uma vida maior que a nossa.
Que resulta dessas definições para nossa conduta de cada dia? Como devemos agir praticamente para sermos felizes? Aqui, fique bem claro, só me é possível indicar direções extremamente gerais para a vossa curiosidade e boa vontade. Pois é aqui que aparecem, legitimamente, as múltiplas questões de gostos, de oportunidades e de temperamento. A Vida só se estabelece, só progride, por natureza e estrutura, graças à imensa variedade de seus elementos. Cada um de nós vê e aborda o Mundo sob um ângulo particular, com uma reserva e matizes de vitalidade incomunicáveis (diversidade complementar que fundamenta, seja dito de passagem, o valor biológico da “personalidade”). Cada um de nós, a partir daí, desde então, está sozinho para poder descobrir, em última análise, para si, a atitude, o gesto inimitável que o fará coerente ao máximo, isto é, em estado de paz beatificante, com o Universo em marcha ao seu redor.
Feitas essas reservas às três regras, acresce que se pode, de acordo com as perspectivas acima desenvolvidas, formular as três regras de felicidade que se seguem.
Para ser feliz, primeiramente, é preciso reagir contra a tendência ao menor esforço que nos leva a ficar no mesmo lugar, ou a procurar, de preferência na agitação exterior, a renovação de nossas vidas, nas ricas e tangíveis realidades materiais que nos rodeiam, é preciso, talvez, que lancemos raízes profundas. Mas é no trabalho de nosso aperfeiçoamento interior – intelectual, artístico, moral – que a felicidade nos espera. A coisa mais importante da vida dizia Nansen é se encontrar a si mesmo. O espírito laboriosamente construído através e além da matéria: Centrar-se.
Para ser feliz, em segundo lugar, é preciso reagir contra o egoísmo que nos impulsiona, seja a nos fecharmos em nós mesmos, seja a reduzir os outros sob nosso domínio. Há uma maneira de amar, má, estéril, pela qual nós tentamos possuir, em lugar de nos dar. E é aqui que reaparece, na situação do casal ou do grupo, a lei do maior esforço, que já regulava o curso interior de nosso desenvolvimento. O único amor que nos torna verdadeiramente felizes é aquele que se exprime por um progresso espiritual realizado em comum: Descentrar-se. A alma humana é feita para não estar sozinha.
E para ser feliz, totalmente feliz, em terceiro lugar, é preciso, de uma maneira ou de outra, diretamente ou através de intermediários gradualmente ampliados (uma pesquisa, uma empresa, uma idéia, uma causa...) transportar o interesse final de nossas existências para a marcha e o êxito do Mundo ao nosso redor. Como os Curie, como Termier, como Nansen, como os primeiros aviadores, como todos os pioneiros de que vos falava mais acima, é preciso, para atingir a zona das grandes alegrias estáveis, que transfiramos o pólo de nossa existência para algo maior do que nós. O que não supõe, estais certos, que devamos, para ser felizes, fazer ações notáveis, extraordinárias, mas somente o que está ao alcance de todos, e que, conscientes de nossa solidariedade viva com uma grande Coisa, façamos grandemente a menor das coisas. Ajuntar um só ponto, por menos que seja, ao magnífico bordado da vida, discernir o Imenso que se faz e que nos atrai ao cabo e ao termo de nossas atividades ínfimas; discerni-lo e aderir a ele: tal é, no fim das contas, o grande segredo da felicidade. “É em uma profunda e instintiva união com a corrente total da Vida que faz a maior de todas as alegrias”, reconhecia o próprio Bertrand Russel, um dos espíritos mais agudos e menos espiritualistas da moderna Inglaterra: Sobrecentrar-se.
Ora, chegado a este ponto, que é a última palavra de que posso dizer-vos, deixai-me colocar, para terminar, uma observação que vos devo e que me devo, para ser absolutamente veraz. Lia ultimamente um curioso livro (Anatomy of Frustration – Wells), em que o romancista e filósofo inglês Wells, expõe os caminhos originais deixados por um americano, biólogo e homem de negócios, William Burrough Steele, precisamente sobre a questão que discutimos esta noite, a da felicidade humana. Com muita razão e força, Steele procura estabelecer (justamente como fiz aqui) que, não estando a felicidade separada de qualquer idéia de imortalidade, o homem só pode ser plenamente feliz se imergir seus interesses e esperanças nos do Mundo e, mais particularmente, nos da Humanidade. E, entretanto, acrescenta ele, essa solução, tal como se apresenta, permanece ainda incompleta. Pois enfim, para se chegar a dar-se profundamente, é preciso poder amar. Ora, como amar uma realidade coletiva, impessoal, monstruosa, de certa maneira, tal como o Mundo ou mesmo a Humanidade? A objeção que Steele encontra no fundo de seu coração e à qual não responde, é terrivelmente, cruelmente, justa. Eu, não seria, pois, completo, nem sincero, se não vos fizesse observar que o movimento inegável que leva, sob nossos olhos e massa humana a se colocar ao serviço do Progresso não é “auto-suficiente”, mas que este entusiasmo terrestre, ao qual vos convido, pode, para se sustentar, sintonizar-se e sintetizar-se com o entusiasmo cristão.
Ao nosso redor, a mística da Pesquisa, as místicas sociais lançam-se com uma fé admirável à conquista do futuro. Mas nenhum cume preciso, e, o que é mais grave, nenhum objeto amável se apresentam para sua adoração. E eis porque, no fundo, o entusiasmo e os devotamentos que elas suscitam são duros, secos, frios, tristes, isto é, inquietantes para quem as observa, e, finalmente, para aqueles que a elas se elevam, incompletamente beatificantes.
Ora, ao lado, e até aqui à margem, entre essas místicas humanas, a mística cristã não deixa, desde dois mil anos, de impelir sempre mais longe (sem que muitos disso duvidem) suas perspectivas de um Deus pessoal, não somente criador, mas animador e totalizador de um Universo que ele reconduz para si pelo jogo de todas as forças que agrupamos sob o nome de Evolução. Sob o esforço persistente do pensamento cristão, a enormidade angustiante do Mundo converge, pouco a pouco, no sentido do alto, até transfigurar-se em um foco de energia imantada!...
Como não ver, eu vos pergunto, que essas duas correntes poderosas entre as quais se divide presentemente o impacto das energias religiosas humanas, a do Progresso humano e a da grande caridade, só exigem combinar-se e completar-se?
Imaginemos, de um lado, que a explosão juvenil das aspirações humanas, prodigiosamente acrescidas por nossas concepções novas do Tempo, do Espaço, da Matéria e da Vida, passe na seiva cristã para enriquecê-la e estimulá-la. E imaginemos, ao mesmo tempo, por outro lado, que a figura tão moderna de um Cristo universal, tal como a elabora, neste momento, a consciência cristã, venha colocar-se, apareça, fulgure no cume de nossos sonhos de Progresso, de maneira a precisá-los, humanizá-los, personalizá-los.
Não estaria aí uma resposta, a resposta completa para as dificuldades diante das quais se debate nossa ação? Por falta da infusão de um sangue material novo, a espiritualidade cristã arrisca-se a debilitar-se e a perder-se nas nuvens. E por falta da infusão de algum princípio de amor universal, bem mais seguramente ainda, o sentido humano do Progresso ameaça desviar-se com horror da pavorosa máquina cósmica na qual se descobre engajado.
Juntemos o corpo à cabeça, a base ao cume, e, bruscamente é uma plenitude que explode. Na verdade, a solução completa para o problema da felicidade, eu a vejo na direção de um Humanismo cristão, ou se o preferirdes, na de um Cristianismo sobre-humano, no seio do qual cada homem compreenderá, um dia, que lhe é possível, a cada momento e em toda situação, não somente servir (o que não é o bastante), mas aspirar, em todas as coisas (as mais doces e as mais belas, como as mais austeras e as mais banais), a um Universo carregado de amor em sua Evolução.
Na escala do cosmos
só o fantástico tem condição
de ser verdadeiro.
Parte teórica você encontra aqui;Pierre Teilhard de Chardin
Conferência feita em Pequim,
em 28 de dezembro de 1943.
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