fotoart eleven rockart by Zoia Petrow & Manu Lücht
Segundo ato
Corro o dia todo. Ainda que imóvel, corro. Corro através do tempo pela lembrança e pelo projeto. Corro através do espaço pela imaginação. Rio, jogo, aprendo, passeio, comando, mexo em tudo, canto. A vida é bela. E triste. Inventei o dinheiro, a guerra, o correio, a nação, a revolução, o clero, as regras de protocolo, as farsas, e as armadilhas. Posso falar por toda uma vida de cada uma dessas rubricas, bem como de qualquer coisa inventada por mim: os duques e pares, a Bolsa, os mísseis Sam e Exocet, o materialismo histórico e a dialética da natureza, as greves, os estribilhos.
Há o sexo. Ele me ocupa além do que se possa imaginar. E, quando finjo não estar pensando nele, e assumo ar altivo e como ausente, ele cava no mais profundo de mim suas galerias e minas, de onde pode jorrar qualquer coisa. Explico-me de todo pelo sexo, assim como me explico de todo pela história. Ou pelo pensamento. Ou por D'eus. Ou pelo dinheiro. Ou pelo poder. Ou pela necessidade, mesclada com um pouco de acaso. Uma das minhas ocupações favoritas é, há muito tempo, explicar-me por sistemas diversos, cada um dos quais exclui os outros. Tento intervir no todo para que ele me seja favorável. E faço o que posso para tentar compreende-lo. E duma só cajada compreender-me.
Faço coisas imensas. E coisas minúsculas. Assoo-me, espirro, ponho um pé na frente do outro para andar na rua, como caranguelo e couve-flor, fumo, leio jornal, desencadeio às ocultas, em certa manhã de primavera, no dia do solstício de verão ou numa noite de dezembro, massacres em série, pinto incansavelmente, com nome de Ticiano, de Veronese ou de Tintoreto, escrevo a Ilíada ou pequenas coisas anônimas, de origem misteriosa e autores desconhecidos.