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"Céu, ar e ventos"
Pierre Ronsard
(Tradução de Fernando Torquato Oliveira)
Céu, ar e ventos, píncaros dispersos,
colinas e florestas verdejantes,
rios sinuosos, fontes borbulhantes,
campos ceifados, bosques tão diversos,
semi-abertos covis, antros imersos,
pastagens, flores, ervas rastejantes,
vales longínquos, praias coruscantes,
e vós, rochedos, que guardais meus versos,
desde que partirei, mas sem dizer
adeus ao seu olhar, para esconder
esta emoção que nunca terá fim;
eu vos suplico, céu, ventos e montes,
pastagens e florestas, rios, fontes,
antros, flores: - dizei-lhe adeus por mim!
primeiro ato
O que há de mais estranho comigo é eu não saber por que existo. Descobrir como existo já não é fácil. Alguns chegam a perguntar-se se existo. Tão evidentes, tão simples, os homens e o Ser são cheios de mistérios. E eu também.
Os homens existem. Ninguém dúvida. É muito difícil dizer desde quando existem. Existiam ontem, anteontem, no século passado, no tempo de Ronsard ou no de Horácio, no tempo da guerra do fogo e das primeiras sepulturas. Há dez milhões de anos ainda não existiam. Começaram a existir há algo em torno de dois, três, quatro milhões de anos, e é precisamente em torno dessa época que é muito difícil decidir quando já existiam e quando não existiam ainda. Será que passaram a existir por obra e graça do Espirito Santo, ou será que criaturas que não eram homens se prepararam, muito lentamente, para transformar-se em homens? Não se sabe. Pode-se acreditar em qualquer coisa. Como seja, havia homens ontem e haverá amanhã -- até quando eles não sabem: sabem uma porção de coisas, mas não sabem quando começaram nem como terminarão -- e há hoje. E, hoje ao menos, eles distinguem-se sem muita dificuldade do que não é homem.
O Ser é mais difícil. Não é possível dizer que ele existe como existe uma pedra, uma borboleta, uma cor ou como um homem. O Ser É. E ponto. Dele não se pode dizer muita coisa. dele não se pode falar. dele não se pode dizer absolutamente nada. Salvo que existe: é de todo preciso que ele exista para que haja algo em lugar do nada. O Ser existe porque há o tempo, o espaço, a matéria, a vida, o pensamento, e um tudo que é o todo.
O mais simples, aparentemente, sou eu. O todo. Menos simples, entretanto, que à primeira vista. Será que existe algo que se possa chamar o todo, cuja história um apaixonado qualquer possa tentar escrever?
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